sábado, 28 de agosto de 2010

O desmanche do Código Florestal ameaça o futuro

Marcos Pedlowski ( Código Florestal Brasileiro )
Uma das maiores evidências acerca da forma que a mídia brasileira trata de questões importantes é de que na maioria das vezes assistimos ou recebemos versões dos fatos em vez de uma verdadeira cobertura jornalística dos acontecimentos. Isto se dá pelo fato de que nos faltam setores na mídia nacional que tenham compromissos com a construção de um ambiente democrático, a partir de onde a sociedade brasileira possa se debruçar sobre as múltiplas tarefas que a realidade nos coloca.
Vejamos o caso, por exemplo, a polêmica que cerca a discussão da revisão em curso no Congresso Nacional acerca da revisão do Código Florestal Brasileiro.  A imensa maioria dos jornais impressos e canais de TV vêm apresentando o problema como um maniqueísmo que não resiste a uma analise mínima.  O quadro que nos é apresentado coloca de um lado, ambientalistas radicais e, de outro, produtores rurais genéricos que estariam sendo impedidos de produzir por causa de um código de leis de natureza impeditiva ao bom desenvolvimento da agricultura nacional Um dos paladinos da disseminação desta falácia é o deputado Aldo Rebelo (PC do B/ SP), relator do processo de revisão em curso na Câmara de Deputados.  Da leitura do relato de 270 páginas que foi preparado por Rebelo, um leitor desavisado ficaria com a impressão que vivemos num país onde inexiste uma das mais brutais concentrações da propriedade rural na Terra.  Afinal, em seu esforço para justificar a desconstrução do Código Florestal, Aldo Rebelo finge se preocupar com pequenos e médios proprietários rurais, apenas para justificar o desmonte de uma legislação cujos principais detratores são os grandes latifundiários e suas organizações de classe.
Aliás, a santa aliança formada para destruir o Código Florestal é bastante ampla, e dada a presença do PC do B dentro dela, bastante heterodoxa do ponto de vista ideológico. Aliás, de santa essa aliança não tem nada, pois seu objetivo é legalizar crimes ambientais e abrir uma imensa picada legal para os desmatadores avançarem sobre todos os principais biomas florestais brasileiros, ainda que a Floresta Amazônica seja o troféu mais cobiçado. E esta é a questão chave que cerca os movimentos realizados pela bancada ruralista dentro do Congresso Nacional que desde o início procurou controlar os trabalhos da comissão encarregada de revisar o Código Florestal.  Aliás, as razões para tamanha sanha são bastante claras, visto que além de abrir caminho para uma exploração desenfreada dos recursos florestais existentes na Amazônia, as mudanças propostas retirariam qualquer possibilidade de que as agências encarregadas de observar as leis ambientais pudessem exercer um papel efetivo, pavimentando o caminho para que os inevitáveis crimes ambientais ficassem impunes.
Mas alguns aspectos das mudanças propostas chegam a ser aterradores. Usando a desculpa de que a maioria dos proprietários rurais atualmente não cumpre a legislação referente à proteção e conservação de áreas separadas para serem reservas legais e também aquelas definidas como requerendo proteção permanente, ventila-se abertamente a flexibilização do montante a ser protegido e mesmo a necessidade de se preservar a biodiversidade regional.  Em se consumando este tipo de proposição, estaremos diante da possibilidade de que literalmente não fique pedra sobre pedra.  Ou alguém dúvida que os latifundiários não irão suprimir toda a fauna e flora que puderem em prol da expansão da área em produção?
Na condição de pesquisador, que por quase duas décadas vem realizando estudos na região ocidental da Amazônia acerca das mudanças ambientais em curso naquela região por força do avanço do desmatamento, sou testemunha de que este tipo de mudança não interessa nem aos povos tradicionais que ali vivem secularmente ou, tampouco, aos agricultores familiares que para ali se mudaram a partir da década de 70 do Século XX. Afinal de contas, tanto os povos tradicionais como os agricultores familiares possuem uma dependência direta de um ambiente preservado para se manter e produzir. Enquanto isto, os latifundiários que hoje se articulam para desbaratar a legislação ambiente raramente vivem nos estados Amazônicos, e um número cada vez maior sequer vive no Brasil.
O fato é que aqueles brasileiros que desejam realmente defender a soberania nacional não podem se deixar ludibriar pelas bravatas do deputado Aldo Rebelo e seus aliados ruralistas. Afinal de contas, o que está em jogo não é uma disputa entre agricultores pobres e membros de organizações não-governamentais e governos estrangeiros que querem impedir o desenvolvimento nacional. É preciso que fique claro que o que realmente temos diante de nós é simplesmente uma estratégia de destruir a legislação ambiental brasileiro apenas para permitir a ação desregrada de um número ínfimo de proprietários rurais cujos interesses repousam apenas no aumento da lucratividade de seus latifúndios. Neste sentido, teríamos que acreditar que os melhores defensores da Amazônia e do ambiente no Brasil são grandes proprietários cujo instrumento preferencial para realizar esta defesa seria uma moto-serra.
É por essas e outras que não podemos deixar esse debate ocorrer apenas dentro do Congresso Nacional. Há que se mobilizar urgentemente toda a sociedade brasileira para barrar este o retrocesso histórico que seria o desmanche do Código Florestal Brasileiro.
Fonte: Revista Somos Assim, número 150

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